O fumo no Recôncavo Baiano e a pobreza. Por Victor Rocha

Victor Rocha é médico do Posto de Saúde da Família de São Roque – Maragogipe BA

“Nas fábricas de charutos não havia trabalho (para homem). Ali quase só mulheres pálidas e macilentas […] fabricavam charutos caros para fins de banquetes ministeriais […] .Mas eis que elas saem e são tristes e cansadas. Elas vêm tontas daquele cheiro de fumo que já impregnou nelas, que está nas suas mãos, nos seus vestidos, nos seus corpos, nos seus sexos […] passam silenciosas como se estivessem bêbadas […] entram pelas ruas estreitas que já escurecem e rumam para os becos sem iluminação no fundo da cidade.

São […] fábricas brancas que tomam quarteirões inteiros , onde operárias sofriam no trabalho minucioso e dedicado da produção dos charutos, enquanto, no hotel, por outro lado, os filhos dos donos das fábricas, que eram alemães, divertiam-se.”

Jubiabá – Jorge Amado

Em meados do século XIX, a guerra civil nos EUA e em Cuba geram oportunidades de concorrência internacional no mercado do fumo. Inicialmente fumo servia para troca por escravos na África e confecção artesanal de charutos.  Associado a estes conflitos nos principais produtores da folha de fumo, estavam os comerciantes de Bremen-Alemanha, que concorriam com os comerciantes dos EUA e viram no Brasil a possibilidade de avançar.

Dentro de um contexto de aumento do consumo mundial (charutos), a Bahia desponta como grande produtora a partir desta parceria com os alemães de Bremen e Hamburgo. No início do Sec. XX eram 60 milhões de charutos produzidos no Brasil, grande parte na Bahia. A situação de recém abolida escravidão, singular no brasil, tratamento “igual” para segmentos sociais desiguais, condicionou que agricultores ex-escravos meeiros e pequenos produtores fossem mão de obra para esta aposta comercial alemã. Estes comerciantes tinham o exato conhecimento dos preços internacionais, lucratividade , etc para regularem os preços.

Desta forma, os produtores rurais, fortemente constituídos por mulheres e crianças recebiam baixa remuneração, desconhecendo a magnitude dos lucros que viabilizavam no porto de Bremen.  Aos poucos, pequenas fábricas são montadas para produzir charutos (a exemplo da Suerdieck e CIA, dentre várias outras). Cruz das almas se destaca pela produção fumageira agrícola e Maragogipe pela presença de fábrica Suerdieck e pela saída ao mar, através do rio Paraguaçu. Como se vê, tratavam-se de relações pré-capitalistas, onde o setor agrário era um anexo do setor comercial, não chegando a se constituir uma elite agrária voltada ao fumo. Os comerciantes baianos tem papel secundário.

Riqueza em Bremen e fome na Bahia, é a consequência direta da produção do fumo baiano. Em 1924, um grande truste anglo americano chamado British-American tabaco. Chega à Bahia e rapidamente leva os concorrentes baianos e alemães à falência. Os alemães ainda ficam com a exportação de fumo e fabricação de charutos, mas este produto já tinha entrado em desuso com o advento do cigarro. O Cigarro advém de produção industrial, por tanto, maior lucratividade e potencial de distribuição. O Brasil não acompanha a mudança da preferência mundial pelo cigarro, e hoje só são produzidos 3 milhões de charutos, dos 60 mi do início do século XX. Em 1930, a Bahia, já sem a conexão alemã, perde a liderança no fumo para o Rio Grande do Sul e o Cacau surge como principal produto, produzido ao sul do estado.

A região do recôncavo hoje ainda padece de grande pobreza, o que foi agravada com o fim do ciclo do fumo. Cruz das Almas, por ser uma cidade passagem para a BR 101 tem maiores potenciais no comércio do que Maragogipe, que fica exprimida entre uma BA em regular estado de conservação e uma saída ao mar atualmente com pouco uso, seja para turismo seja para escoamento de produções. Discutir alternativas econômicas com enfoque na distribuição efetiva de renda é um desafio para a saúde das pessoas.

A construção do Estaleiro de São Roque, prevendo a construção de plataformas da Petrobrás (P 59 e P60), lança no ar qual seria esse desenvolvimento como pergunta já feita e respondida na construção no novo plano diretor, por várias mãos. Resta fazer valer!

 

Texto criado por Dr. Victor Rocha nos primeiros momentos em Maragogipe.

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