Após fracasso, grandes estaleiros, como o Estaleiro Enseada veem nova chance de retomada

EAS, Ecovix e Enseada, em recuperação judicial, têm expectativa de retomada das encomendas na construção naval

Os estaleiros EAS, de Pernambuco, Ecovix, do Rio Grande do Sul, e Enseada, da Bahia, símbolos da tentativa frustrada de reerguimento da indústria naval e offshore no país nos governos do PT, voltam a considerar possível a retomada dessas atividades a partir de 2023 em eventual vitória, nas eleições, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defensor de novos investimentos no setor.

A volta do tema à agenda suscita o debate sobre a viabilidade e a oportunidade de se investir e, eventualmente, ampliar o conteúdo local na construção naval e offshore no Brasil após a experiência mal-sucedida da primeira década e meia dos anos 2000. Foi a segunda tentativa de investir no setor na história recente do país (ver reportagem Setor naval espera pela terceira ‘onda’). A primeira delas havia sido no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), mas a experiência naufragou anos mais tarde, resultando, inclusive, na realização da CPI da Superintendência Nacional da Marinha Mercante (Sunamam), nos anos 1980. A partir de 2003, com a eleição de Lula, o setor ganhou novo destaque, mas o roteiro se repetiu com denúncias de corrupção e problemas para tornar essa indústria competitiva.

Tendo a Petrobras como cliente único, os estaleiros nacionais não conseguiram criar escala, fundamental para o negócio dar certo. Estaleiros são fábricas de montagem em série, como as montadoras de automóveis. Só com grandes volumes de encomendas, constantes, conseguem se manter de pé e ser lucrativos. A história recente também mostrou dificuldades das empresas para cumprir prazos e custos. Atrasos encarecem as encomendas. E sem atingir esses pré-requisitos os estaleiros nacionais não conseguiram competir com as referências de mercado, os asiáticos.

O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) diz que foram investidos R$ 30 bilhões no setor entre 2003 e 2016. Só EAS, Enseada e Engevix investiram R$ 10 bilhões. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi o grande financiador do setor. Concedeu R$ 18,7 bilhões em empréstimos, em 15 anos, para erguer e reformar estaleiros, e construir embarcações. O Estaleiro Atlântico Sul (EAS), de Ipojuca (PE), recebeu investimentos de R$ 4 bilhões, boa parte dos recursos financiada pelo BNDES que se tornou o principal credor no processo de recuperação judicial da empresa, controlada por Mover (ex-Camargo Correa) e Queiroz Galvão. O EAS declarou R$ 2,3 bilhões em dívidas.

No total, os três principais estaleiros construídos nas gestões do PT somam dívidas declaradas de R$ 11,6 bilhões. Além dos R$ 2,3 bilhões do EAS, a Ecovix, com unidade em Rio Grande (RS) e ligado ao grupo Engevix, declarou dívidas de R$ 8 bilhões. E o estaleiro Enseada, de Maragogipe (BA), da Novonor (ex-Odebrecht), assumiu dívidas de R$ 1,3 bilhão. A Odebrecht foi um dos principais grupos empresariais envolvidos na Lava-Jato. Os três estaleiros se encontram em recuperação judicial, processo que permite renegociar dívidas.

Parte das dificuldades dos estaleiros se relacionou com os problemas da Sete Brasil, holding criada em 2010 para gerenciar portfólio de 28 sondas que seriam construídas no Brasil. Em 2016, a empresa entrou em recuperação judicial depois de o Ministério Público Federal revelar esquema de corrupção na Sete. A recuperação prossegue. O caso tornou-se símbolo dos mal-feitos no setor, e provocou prejuízos a fundos de pensão estatais e a outros acionistas da Sete Brasil. Em agosto, o Valor noticiou que a EIG move processo de R$ 1,35 bilhão nos Estados Unidos no qual acusa a Petrobras de fraude ao tê-la induzido a investir na Sete. A ação, de 2017, não tem sentença definitiva.

Pedro Cavalcanti, professor da escola de pós-graduação em economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), não vê sentido em retomar a política de incentivos com fixação de 70% de conteúdo local mínimo. Para ele, a política apenas estabeleceu quantidades, sem metas de produtividade, atrasando a inovação. A partir do governo do ex-presidente Michel Temer, o percentual mínimo de conteúdo nacional foi fixado entre 18% e 50% e é firmado nos leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP). “Um conteúdo local mínimo de 70% não gera inovação, talvez seja necessário estudar incentivos em parte da cadeia”, salientou. Fontes da indústria concordam que não há espaço para a retomada nos moldes anteriores.

Nicole Mattar Haddad Terpins, presidente do EAS, diz que a indústria naval é cíclica, com períodos de picos e vales, e que o mais importante é evitar mudanças da política pública a cada governo: “O problema não são os vales, são as mudanças bruscas das políticas públicas, que impedem a realização de investimentos de longo prazo e o planejamento das empresas”, diz. O EAS redesenhou o modelo de negócios, para produzir grandes estruturas, de olho no mercado de usinas eólicas offshore, bem como na construção de estruturas submarinas para projetos de petróleo e gás. O estaleiro foi, inclusive, rebatizado para Atlântico Sul Heavy Industries. A empresa também está focada na realização de reparos em embarcações.

O presidente do Sinaval, Sérgio Bacci, estima que a Petrobras precisaria de 45 embarcações de apoio às novas plataformas de petróleo, que poderiam, em parte, ser construídas no país. Somando-se a esse número eventuais novas embarcações da Transpetro, a subsidiária de logística da Petrobras, e a renovação de frota da Marinha do Brasil, os estaleiros teriam carteira capaz de garantir pelo menos quatro anos de atividades, diz Bacci.

A Transpetro, no primeiro governo Lula (2003-2006), lançou o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef). O programa previa a construção de 49 navios, com R$ 11,2 bilhões em investimentos. Mas foram entregues apenas 25 navios. O programa foi marcado por atrasos, cancelamentos e denúncias de corrupção. Os reveses na política de conteúdo local dos governos petistas levaram a Petrobras a se concentrar em encomendas no exterior, sobretudo na Ásia. Navios de apoio também têm, na maioria, origem internacional.

O coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, diz que a contratação, pela Petrobras, da construção de 14 plataformas na Ásia significa a “exportação” de 1,5 milhão de empregos. Recentemente, a Petrobras realizou licitação internacional para construir duas plataformas (P-80 e P-82), vencida pela cingapuriana Keppel Shipyard. O plano de negócios da Petrobras para o período 2022-2026 indica que estão em construção 12 navios-plataforma e há uma unidade em fase de licitação. Embora seja intensivo no uso de mão de obra, o setor depende de profissionais qualificados, capazes de garantir alta produtividade. Esse foi outro dos problemas enfrentados pelos novos estaleiros nos anos 2000. No auge do setor, em 2014, foram criados mais de 82 mil empregos.

Os estaleiros insistem que a retomada pode dar certo: “O mercado existe, a Petrobras vai ter que fazer muitas plataformas nos próximos anos”, diz José Antunes Sobrinho, acionista da Nova Engevix, dona da Ecovix. O Engevix e parte dos executivos do grupo, incluindo Sobrinho, foram envolvidos nos casos de corrupção no setor. A empresa informou que Antunes possui acordos com a Justiça sendo que foi absolvido na Lava-Jato de Curitiba.

Parte da infraestrutura da Ecovix foi transformada em terminal portuário, solução seguida também pelos outros dois estaleiros. A expectativa é que a unidade da Ecovix movimente 2 milhões de toneladas em dois anos, como parte do plano de diversificação da empresa. O presidente da baiana Enseada, Ricardo Ricardi, também vê demanda nos próximos anos e espera maior quantidade de projetos offshore no país, proporcionando o uso dos investimentos bilionários realizados nos estaleiros.

Por Valor Econômico

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